A Criança com Doença Crônica

Desafios, oportunidades e parcerias

Na maior parte das vezes, quando falamos de pediatria, tratamos de assuntos relacionados aos aspectos comuns, corriqueiros até, da infância. Seja com as variações habituais do desenvolvimento, seja nas doenças agudas comuns do dia a dia, em geral conversamos sobre questões pontuais, que vêm e depois vão.

No entanto, faz parte também do cotidiano da pediatria lidar com uma população específica, com características próprias e necessidades particulares. Falo das crianças com condições crônicas de saúde. A criança com doença crônica tem demandas particulares que perpassam toda sua infância, muitas vezes se estendendo até a vida adulta. Essas demandas impactam a realidade e as atividades normais da infância, como educação, lazer e a vida em casa. Consequentemente, as doenças crônicas em crianças carregam consigo também a imposição de uma parentalidade diferente. Mães, pais e cuidadores sofrem impactos em suas vidas relacionados às condições de saúde da criança.

Ampla variedade de condições

Quando falamos de doenças crônicas em crianças, há muitos quadros diferentes a considerar. Entre as condições mais comuns estão as afecções alérgicas da infância, como rinite alérgica e asma brônquica que, embora tragam alguma preocupação e desconforto, tendem a ser bem manejadas. Mas temos que lembrar também de condições mais complexas, como diabetes, cardiopatias congênitas, epilepsia, doenças renais e hepáticas, com seus diferentes graus de complexidade.

Cada uma dessas condições expõe as crianças e suas famílias a desafios particulares. Acompanhamento médico regular, uso de medicamentos, afastamento escolar, terapias de reabilitação... são obstáculos para a vida cotidiana. Com impacto físico, mental e financeiro na vida de todos os envolvidos.

Situações de complexidade específica

Dentro da visão global sobre doença crônica em pediatria, alguns cenários específicos merecem uma atenção em particular. São quadros que têm se tornado cada vez mais frequentes, seja pela melhora da assistência aguda à saúde, seja pela maior atenção aos sinais da doença crônica.

O primeiro desses grupos é o das crianças que se recuperaram de alguma doença aguda muito grave. Aí entram os bebês prematuros, que necessitaram permanecer prolongadamente nas UTIs Neonatais, e muitas vezes precisam lidar (assim como suas famílias) com as consequências duradouras das dificuldades nos primeiros dias de vida. Além deles, compõem esse grupo as crianças com doenças neurológicas graves, como paralisia cerebral e doenças neuromusculares. Essas crianças frequentemente carregam demandas contínuas de reabilitação e cuidados em saúde, que impactam a vida de todos a sua volta.

O outro grupo que gostaria de destacar é o das crianças com transtornos de desenvolvimento e aprendizado. Em especial as crianças que recebem o diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade) ou que estão no espectro autista (TEA). Esses diagnósticos, embora “clinicamente” menos impactantes que os anteriores, alteram de forma completa a vida das famílias, com um dia a dia de terapias, medicações e, não menos importante, expectativas frustradas.

O impacto nas famílias

Existe evidência científica robusta mostrando o impacto das doenças crônicas em crianças na vida das famílias, em especial dos cuidadores diretos. As análises de qualidade de vida, índices de satisfação com a própria vida e prevalência de transtornos depressivos revelam que, em especial, as mães dessas crianças sofrem um grande impacto pela doença dos filhos.

Além disso, é muito frequente que pais e cuidadores deixem de cuidar de suas próprias condições de saúde, seja por motivos financeiros ou de disponibilidade. O que por sua vez traz ainda mais dificuldades para a vida cotidiana.

Finalmente, de forma não surpreendente, as próprias crianças sofrem as consequências psíquicas e sociais de suas condições de saúde. Transtornos de ansiedade são muito mais frequentes em crianças com doenças crônicas do que nas que não precisam lidar com esses quadros.

Esse conjunto de evidências reforça que a doença crônica na criança é muito mais do que apenas uma condição médica. É um cenário de vida com grandes desafios, físicos, psíquicos e financeiros, mas que pode se mostrar muito recompensador em longo prazo.

O papel do pediatra

Diante dessa realidade tão demandante, as crianças e suas famílias precisam do suporte de uma equipe de saúde. Diante das necessidades de reabilitação, terapia medicamentosa, exames frequentes, questões envolvendo planos de saúde ou mesmo o sistema público, são muitas questões para as quais as famílias vão precisar de apoio.

Para isso, o pediatra pode ser um parceiro. Estabelecendo metas e planos, participando da comunicação entre os demais membros da equipe de saúde. E também sendo a pessoa que vai escutar mais atentamente as percepções, dúvidas e angústias das famílias. Costumo sempre dizer que, embora o pediatra seja o especialista na criança com condições de saúde, agudas ou crônicas, mães e pais de crianças com doenças crônicas são especialistas em seus filhos. Esse conhecimento compartilhado é o cerne da parceria que se estabelece entre as famílias e o pediatra.

Construir e alimentar essa parceria pode ser fundamental para que a trajetória sempre desafiadora do cuidar de crianças com doenças crônicas seja um pouco mais suave.

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