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Quadros Respiratórios Agudos, o Pediatra e a Emergência
Em busca do melhor cuidado
Olá! Lembram de mim?
Voltando de um intervalo meio forçado, volto a trazer um assunto para discussão. O intervalo em questão foi forçado pela grande demanda de trabalho nas últimas semanas. Estamos lidando com uma incidência grande de quadros respiratórios em crianças, gerando hospitais cheios, creches vazias e, é claro, familiares preocupados.
Sob o ponto de vista do médico pediatra, atuando tanto no consultório como no hospital, momentos como esse permitem um grande aprendizado. Não apenas sobre o cuidar de crianças, mas sobre a própria dinâmica da profissão.
Nessa situação em que muitos pais, mães e cuidadores se deparam com a tensão associada ao desenvolvimento de um quadro respiratório agudo (que pode vir a ser uma bronquiolite, ou pneumonia, ou otite média... ou até mesmo um resfriado comum), o pediatra adquire um papel fundamental. Podemos ser agentes de acolhimento, reforço e cuidado... ou não. Mas não necessariamente por erro ou culpa nossa.
Sim. O tema que abordarei hoje é um tanto polêmico. Mas considero importante. Diante de um quadro agudo não emergencial, a decisão tomada pelos cuidadores pode influenciar bastante se a criança receberá ou não o melhor tratamento. Sempre lembrando que há uma diferença grande entre “melhor tratamento” e “maior número de exames e medicações”.
Emergência x Pronto Atendimento
Muitas vezes, no nosso vernáculo cotidiano, Emergência e Pronto Atendimento são tratados como equivalentes. Mas, se formos trabalhar com conceitos mais claros, trata-se de duas coisas bem diferentes. Pronto atendimento é o atendimento médico sem hora marcada. Chegamos lá, esperamos na fila e, eventualmente, somos chamados.
Emergência é o que traz (ou poderia trazer) ameaça à vida. Em pediatria, gosto de pensar que situações de emergência são aquelas em que a criança não é capaz de executar suas “funções sociais” básicas. Comer, aceitar líquidos, ir ao banheiro, conversar, brincar... no caso dos bebês, mamar, dormir, chorar...
Essas são as situações em que a avaliação hospitalar imediata é possivelmente indicada, pois certos sinais importantes podem estar presentes, necessitando de abordagem médica de forma rápida.
A questão central é que, na maioria das vezes, é difícil para os pais e cuidadores tomarem essa decisão sozinhos. “Levo ou não na emergência?” E muitas vezes, a resposta acaba sendo... “Vamos. Mal não vai fazer”. Mas não é bem assim.
O Olhar do Médico Emergencista
O médico pediatra que está de plantão na emergência tem uma missão bem difícil. Ele precisa estar pronto para lidar com quadros agudos graves, que necessitam de abordagem imediata, bem como lidar com situações mais comuns, como os quadros respiratórios que mencionamos acima.
Ao contrário do pediatra que acompanha regularmente a criança, o emergencista muitas vezes não tem como programar uma reavaliação, ou seguir em comunicação com a família. Desta forma, torna-se quase inevitável que se assuma uma conduta mais agressiva, buscando evitar “deixar passar” um quadro mais preocupante. Isso acaba resultando em prescrições às vezes excessivas de exames complementares e, em especial, de antibióticos.
Sabemos que a maior parte das infecções respiratórias em crianças (bronquiolites, faringites, otites, sinusites...) têm origem viral, não demandando, ao menos de início, o uso de antibióticos. A exposição desnecessária a antibióticos está associada a diversos efeitos colaterais, assim como ao possível risco de desenvolvimento posterior de infecções mais graves.
Mas isso não é uma crítica ao médico da emergência. Ele está assumindo a melhor conduta diante do seu ponto de vista, de quem provavelmente não voltará a rever o mesmo paciente.
O paradigma aí é outro.
O Papel do Pediatra
Diante de um evento agudo, novo sintoma ou preocupação com a criança, é natural que pais, mães e cuidadores queiram logo entender o que está acontecendo. Saber se é necessário levar para ser examinado, que fatores precisam de atenção e se vale a pena dar alguma medicação.
O pediatra que acompanha a criança (e a família, é claro) regularmente é a pessoa indicada a passar por esse processo junto com os cuidadores. Além de já conhecer a criança, tem a experiência e o conhecimento para ajudar os pais a detectarem sinais de alerta, e orientar se há necessidade de uma ida à emergência.
Além disso, o pediatra pode ser capaz de tranquilizar a família até o momento de uma avaliação oportuna, no ambiente do consultório, mais tranquilo e confortável para a criança e seus responsáveis. Finalmente, mesmo nos casos em que se considera necessária a avaliação imediata, o pediatra pode ser a ponte entre o olhar agudo do profissional da emergência e o seguimento do quadro clínico da criança, permitindo que evitemos uma conduta mais agressiva que talvez não fosse necessária.
O estabelecimento dessa relação de confiança mútua entre o pediatra e a família permite que as dúvidas sejam esclarecidas de forma mais clara, e que o acompanhamento da saúde da criança seja feito de forma linear, contínua. Assim, a emergência fica destinada ao que de fato seria uma emergência.
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